Revi ROQUE SANTEIRO: Impressões
Esta novela é uma das melhores - se não a MELHOR produzida pela rede Globo. Difícil dizer que esta, ou "aquela" é a melhor, porque na década de 80 virada para 90 existiram muito boas novelas.
O que Roque Santeiro tem de especial é uma sabedoria requintada de saber fazer uma história para televisão. Cada plano escolhido para contar uma emoção, a dinâmica das personagens, os atores, a mestria do texto - que adoro por dizer TUDO sem pronunciar uma única palavra. A sua sonoplastia é uma lição para quem quiser fazer uma obra de sucesso dentro deste meio que é a televisão. Se quiserem entender o papel importante da sonoplastia, têm em Roque Santeiro O "PROFESSOR".
A novela tem mais de 200 capítulos. Que se vêm todos sem esforço. Aliás, chega-se ao final percebendo que, se o autor quisesse, a história podia ter dado mais uns 50, 100 capítulos, que o povo não ia se aborrecer.
A obra tem base numa peça teatral escrita 20 anos antes por DIAS GOMES. "Berço do Herói" era o nome e o ano foi 1965. Com a censura que o Brasil enfrentava em 1975, não foi possível fazer dela uma novela. Isso só veio a acontecer no ano em que a novela foi gravada: 1985. Uma década a acrescentar a outra década de existência, só serviu para melhorar o texto. Tal e qual como um bom vinho, foi preciso ficar engavetada a ganhar corpo para ficar DELICIOSA.
Sabe-se que Dias Gomes parou de escrever a novela lá para o capítulo 51, ficando no seu lugar Aguinaldo Silva. Segundo este, Dias estava apaixonado, a viver um intenso amor e seguiu essa pessoa para o estrangeiro. Ao regressar percebeu que a novela era um mega-sucesso de audiência e que o povo todo falava nela mas... diziam que era da autoria de Aguinaldo Silva. Este estava a receber todos os "louros" por um "filho de criação", 100% fruto da imaginação de Dias Gomes e não tão recente assim: aquelas personagens tinham sido criadas 20 anos antes. Entendo perfeitamente a sensação de apropriação que o autor poderá ter sentido, ao ouvir o povo elogiar Aguinaldo por os entreter tanto com a história daquelas personagens- história que ajudou a manter viva por mais de 100 capítulos, mas da qual não foi o "pai". Foi um "padastro" - apareceu quando foi preciso. Este caso é hoje bem conhecido porque os dois autores ficaram de mal um com o outro. Um por ter visto a sua criação atribuida a outro e o outro por ter ajudado e depois ter sido afastado.
Ao rever a novela percebi que existe um momento claro no guião em que a história é precipitada para o seu final. E alguns aspectos saem prejudicados.
Quando a sogra de "sinhozinho" aparece na sacristia da igreja para falar que era ela a mulher por quem o padre Hipólito se apaixonou na juventude - toda essa cena, no fundo, foi escusada. Já estava subentendido desde o momento em que a avó de "Tânia" demonstrou suspeitar da atracção da neta pelo outro padre na história: Albano. Estava ainda mais subtilmente entendido nas poucas vezes em que Hipólito se encontrava com D. e logo se apressava a não trocar longas palavras e a "fugir".
Lamentei que, na pressa de terminar a trama, esta parte das pessoas maduras que já passaram por aquilo e saberem tão bem o que significa não tenha sido mais desenvolvida em momentos oportunos, para ajudar os jovens que estavam a passar por aquilo naquele instante. A sabedoria e a importância de revelar aos mais novos que também existem histórias de amor nos que aparentemente são frios e nunca amaram é muito importante para criar personagens que não são lineares ou planas.
A pior gaffe nesta praticamente perfeita novela, é que a motivação de Roque - o verdadeiro e vivo Roque Santeiro, em permanecer na cidade e terminar com o mito, mantida com muita teimosia durante a trama inteira, desapareceu subitamente e este tenha decido deixar a cidade. Sem revelar quem é, sem ver os responsáveis por tantos crimes serem penalizados. Não dá para acreditar. Não bate certo com a personagem que conhecemos.
Os "bandidos" saem todos no lucro. Mesmo o que morre - coitado. O Zé "das Medalhas" é bem castigado por ter sido um machista de um marido, um marido à "moda antiga", fruto de uma educação que se quer acreditar ter ficado lá atrás, perdida no tempo. Mas não era culpa dele. E tem momentos em que Armando Bógus - o ator que lhe deu vida, consegue perfeitamente transmitir essa autenticidade da personagem - principalmente nas cenas conjugais. Ele AMA a mulher só que ele é um homem que só sabe amar do jeito dele: machista. Com conceitos totalmente machistas, em que a mulher fica relegada apenas ao papel de educadora dos filhos e amante dona de casa. A mulher não pode sequer olhar, sorrir ou cumprimentar outro homem. Se percebido, mais tarde, em casa, provavelmente vai sofrer e levar uma tareia, para "aprender" a se comportar como uma boa esposa deve se comportar. Uma parte importante da trama deste casal é revelada quase no fim, quando Lulu, a esposa diz a Zé que ele deixou de a querer quando percebeu que "ela gostava". E ele simplesmente confirma, afirmando que "mulheres de bem" não sentem "essas coisas".
E por um motivo tão besta destes... o casamento deles não deu certo e foi um tormento. Tanto para o subjugado e sofrido, quanto para o carrasco.
Muito boa esta trama!
Tenho mais para falar sobre a mesma mas por agora fico por aqui, concluindo que devia ser OBRIGATORIO que os atores que ainda estão vivos e a dar cartas por aí - E ELES AINDA SÃO MUITOS - deviam regressar a estes papéis num especial televisivo, só para nos brindarem com o "40 anos depois"...
Queria ver um Sinhozinho Malta e uma Porcina da Silva juntos 40 anos depois. Velhiiiiinhos... Lima Duarte e Regina Duarte aí, vivinhos, na ativa... que tal armarem um short-story para os dois?
Tem ainda a Cássia Kiss (recuso-me a tirar-lhe o segundo S, foi assim que aprendi o seu nome e é assim que surge na abertura desta e muitas outras novelas) que podia mostrar uma grande transformação da sua "Lulu". Tem ainda o seu "Flô", o grande Ary Fontora e sua filha Mocinha (Lucinha Lins), que terminou a novela como começou: a optar ser a eterna apaixonada do mito, vivendo num amor platónico perfeito entre uma pessoa viva e outra morta. Amores destes nunca trazem conflitos ou discussões. A realidade é bem diferente e foi isso que Mocinha comprovou e não soube lidar.
Portanto, entre muitos outros atores, temos ainda personagens centrais e vitais na trama que podiam voltar a ser encarnadas pelos seus atores originais. Não fazerem isto com obras icónicas da teledramaturgia noveleira é.. um "crime". E uma oportunidade perdida para vermos seus atores a voltar com deleite, respeito, amor pela personagem e pelo público a representá-las novamente.
É que seria muito especial, para todos os envolvidos.
AO INVÉS DE INVESTIREM no remake de Vale Tudo para celebrar o seu aniversário, deviam homenagear suas obras em retrospetiva e trazer os atores que mais marcaram essa história, para reprisarem seus papéis. Seria um estouro de audiência!